terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Regime fiscal das ofertas de inventários

As ofertas é um tema que frequentemente suscita dúvidas de enquadramento em sede de IRC e de IVA.

A abordagem do tema carece de uma análise separada, face ao diferente enquadramento do mesmo em sede de IRC e para efeitos de IVA.

Regime fiscal das ofertas de existências em sede de IRC
Para efeitos de IRC, importa desde logo distinguir oferta de donativo. As ofertas a clientes não têm um regime específico em sede de IRC. Neste sentido, são gasto dedutível dentro dos limites de razoabilidade (naturalmente subjetivos) estabelecidos pelo artigo 23.º do Código do IRC.

A este propósito permitimo-nos recordar que a reforma do IRC retirou do contexto legal a noção de indispensabilidade tantas vezes invocada para a não aceitação fiscal de gastos. Com efeito, tal noção foi substituída pela relevância, determinando a atual redação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto.

Donativos de existências – benefícios fiscais
Os donativos de existências são na sua essência, donativos em espécie e como tal devem seguir as regras do n.º 11 do artigo 62.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Assim, no caso de donativos em espécie, o valor a considerar, para efeitos do cálculo da dedução ao lucro tributável, é o valor fiscal que os bens tiverem no exercício em que forem doados.

Note-se que o Estatuto dos Benefícios Fiscais não prevê a aceitação de donativos em espécie que se concretizem em prestações de serviços, exceto na situação prevista no n.º 8 do artigo 62.º- B no âmbito do mecenato cultural (novo enquadramento resultante da lei do Orçamento do Estado para 2015).

Exemplo prático sobre o enquadramento fiscal de um donativo em espécie:

A empresa XYZ, Lda efetuou um donativo de existências a uma IPSS, em junho de 2015.

Estas existências tinham um valor de aquisição de € 10.000, mas encontram-se mensuradas ao valor realizável líquido, à data da doação, estando reconhecidas nos inventários da empresa pelo valor de € 7.000.

Cálculo do valor dedutível no período de 2015:

  • ·      Gasto dedutível = 7.000
  • ·      Majoração (a deduzir no Q. 07 da declaração modelo 22) = 2.100 (7.000 x 30%), por aplicação do n.º 4 do artigo 62.º do EBF.


A documentação do donativo tem de ser efetuada nos termos do artigo 66.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ou seja, a entidade donatária deve emitir um documento (recibo) onde conste: a qualidade jurídica da entidade beneficiária, o normativo legal onde se enquadra, bem como, se for caso disso, a identificação do despacho necessário ao reconhecimento e a identificação dos bens.

Nota: nos termos do n.º 10 do artigo 15.º do Código do IVA, beneficiam de isenção do imposto as transmissões de bens a título gratuito, para posterior distribuição a pessoas
carenciadas, efetuadas ao Estado, a IPSS e a organizações não governamentais sem fins lucrativos, bem como as transmissões de livros a título gratuito efetuadas aos departamentos governamentais nas áreas da cultura e da educação, a instituições de carácter cultural e educativo, a centros educativos de reinserção social e a estabelecimentos prisionais.

Regime fiscal das ofertas de existências em sede de IVA

Para efeitos de IVA, consideram-se transmissões de bens, as transmissões gratuitas de bens da empresa quando, relativamente aos mesmos, tenha havido dedução total ou parcial do imposto (alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA).

Não há, contudo, sujeição a imposto, ainda que tenha havido lugar à dedução total ou parcial do IVA contido nos bens objeto de transmissão gratuita, nos casos em que se esteja perante ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50,00 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais (n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA).

Caso o valor da oferta ultrapasse o valor estabelecido no n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, há obrigatoriedade de liquidação de imposto, salvo, naturalmente, se não tiver exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.

Neste caso, se os bens estiverem desonerados de IVA, por o imposto que incidiu sobre a respetiva aquisição ter sido deduzido total ou parcialmente, a sua entrega é assimilada a uma transmissão onerosa de bens, sendo sujeita a tributação.

Nestas circunstâncias, o valor tributável é o preço de aquisição dos bens ou de bens similares ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações (alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA).

Quanto à documentação das operações, deve ser elaborado um documento em conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 36.º do Código do IVA devendo o mesmo conter a data, natureza da operação, valor tributável, taxa de imposto aplicável e montante do mesmo.

Porque se trata de uma liquidação efetiva de imposto, estas operações devem ser relevadas na respetiva declaração periódica do IVA.


A Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho contém instruções administrativas importantes sobre esta matéria.

Texto elaborado a 29 de Dezembro de 2015 por Abílio Sousa para APECA


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Benefícios Fiscais- Entidades que recebem donativos. Nova declaração modelo 25 a partir de janeiro

As entidades que recebam donativos fiscalmente relevantes devem comunicar, esses donativos à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) através de declaração de modelo oficial, até ao final do mês de fevereiro.

A declaração Modelo 25, que existe desde 2008 (Port. Nº1474/2088, de 18.12) destina-se a dar cumprimento a esta obrigação declarativa, atualmente estabelecida na alínea c) do nº1 do artigo 66.º do EBF, devendo ser utilizada pelas entidades que recebam donativos fiscalmente relevantes.

Acresce que a Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82 –B/2014, de 31 de dezembro, no Boletim do Contribuinte, 2015, Suplemento à 1ª quinzena de Janeiro) veio autonomizar o regime dos benefícios fiscais aplicáveis ao mecenato cultural, pelo que se tornou necessário adequar o modelo declarativo, o que foi efetivado com a publicação da Portaria nº 318/2015, de 1.10.

Entidades beneficiárias dos donativos

Entende-se por entidades beneficiárias (sujeitas a esta obrigação) aquelas que recebem os bens de um doador, podendo ser entidades públicas ou privadas, cujas atividades consistiam predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva, educacional ou científica. Os donativos constituem entregas em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades atrás mencionadas.

Envio/Entrega

A declaração modelo 20 deve ser apresentada por transmissão eletrónica de dados, devendo as entidades abrangidas cumprir com os seguintes procedimentos em observância com as instruções de preenchimento do referido modelo 25:

 

·  Efetuar o registo, caso ainda não disponha de senha de acesso, através do Portal das Finanças, no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt;

· Possuir um ficheiro com as características e estrutura de informação, a disponibilizar no mesmo endereço; e

. Efetuar o envio de acordo com os procedimentos indicados no referido portal. A declaração considera-se apresentada na data em que é submetida, sob condição de correção de eventuais erros no prazo de 30 dias.



Donativo superior a €200

Os donativos em dinheiro superiores a €200 devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do mecenas, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto.

Revogações

Portaria nº 13/2008, de 4 de janeiro (Boletim do Contribuinte, 2008, pág. 81 a 83)
Portaria 1474/2008, de 18 de dezembro (Boletim do Contribuinte, 2009, pág. 10)

Entrada em vigor

O novo modelo deverá ser entregue a partir de 1 de janeiro de 2016. 


Texto elaborado a 28 de Outubro de 2015 por Boletim do Contribuinte



sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Contribuição para a segurança social. Isenção e redução do pagamento

As entidades empregadoras podem beneficiar da isenção de pagamento de contribuições na parte que lhes respeita, nas seguintes situações de contratação de:

  •     Desempregados de longa duração;
  •     ​Jovens à procura do primeiro emprego;
  •     Pessoa que esteja presa em regime aberto;
  •     Adesão à medida de rotação emprego-formação.


Não têm direito à isenção do pagamento de contribuições as entidades empregadoras que:


- tenham trabalhadores abrangidos por esquemas contributivos com taxas inferiores à da generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, com exceção das entidades cuja redução de taxa resulte do facto de serem pessoas coletivas sem fins lucrativos ou por pertencerem a sectores considerados economicamente débeis;

- tenham trabalhadores abrangidos por bases de incidência fixadas em valores inferiores à remuneração real ou convencional.

I – Contratação de jovens à procura do 1º emprego e de desempregados de longa duração

Consideram-se jovens à procura do 1º emprego os jovens com idade superior a 16 e inferior a 30 anos que, à data do contrato, nunca tenham exercido actividade profissional ao abrigo de contrato por tempo indeterminado.

Por seu lado, consideram-se desempregados de longa duração os desempregados que, à data do contrato, estejam disponíveis para o trabalho e inscritos nos Centros de Emprego há mais de 12 meses, mesmo que, neste período, tenham celebrado contractos de trabalho a termo, por períodos inferiores a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse 12 meses.

Condições exigidas à entidade empregadora

  • ​Ter a situação contributiva regularizada perante a segurança social e a administração fiscal;
  • Celebrar com o trabalhador contrato de trabalho sem termos;
  • Ter ao seu serviço um número de trabalhadores subordinados superiores ao que tinham:

- Em Dezembro do ano anterior, ou
- No mês imediatamente anterior ao da contratação de novos trabalhadores, no caso de a entidade empregadora ter iniciado a sua atividade no mesmo ano.

Período de isenção do pagamento de contribuições

Período máximo de isenção: 36 meses.

A contagem do período de dispensa de pagamento é suspensa se o contrato de trabalho for suspenso devido a situações devidamente comprovadas de incapacidade ou impossibilidade para o trabalho por parte do trabalhador.

Requerimento e prazo

A isenção de pagamento de contribuições pode ser requerida:

  • ​Através do serviço Segurança Social Direta, ou

·         Da apresentação, nos serviços da Segurança Social da área da sede da empresa, do requerimento de dispensa de pagamento de contribuições – Mod. GTE1-DGSS.


Este requerimento, bem como os documentos que o acompanham, devem ser entregues, pela entidade empregadora, no mês seguinte ao da celebração do contrato de trabalho.

Cessação da isenção do pagamento de contribuições

O direito à isenção cessa nas seguintes situações:

- termos de período de concessão;
- deixem de se verificar as condições de acesso;
- falta de entrega, no prazo legal, das declarações de remuneração ou a não inclusão de quaisquer trabalhadores nas referidas declarações;
- cessão do contrato de trabalho por iniciativa da entidade empregadora com base em despedimento sem justa causa, despedimento colectivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação.

Neste caso, se a cessação do contrato de trabalho ocorrer nos 24 meses seguintes ao termo do período de concessão da dispensa, a entidade empregadora tem também que devolver à Segurança Social o montante das contribuições relativas ao período da dispensa.

A esse valor acrescem juros de mora se as contribuições não forem pagas no prazo de 60 dias após a cessação do contrato.

II – Adesão à medida de rotação emprego – formação

Esta medida contempla a formação continua dos trabalhadores da entidade empregadora e, enquanto se encontram em formação, a sua substituição por desempregados permitindo-lhes, deste modo, uma experiência profissional no desempenho das funções dos trabalhadores em formação.

Esta medida concretiza-se através:

- da dispensa do pagamento de contribuições para a segurança social, relativamente aos trabalhadores substituídos;
- de apoios financeiros, através do Instituto do Emprego e Formação Profissional, (IEFP) relativamente aos trabalhadores substitutos.

Condições exigidas à entidade empregadora

Para beneficiar da medida rotação emprego-formação, a entidade empregadora deverá:

  • ​Ter a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e a Administração Fiscal;
  • Ter um plano de formação com ações:

- realizadas diariamente em horário laboral, que não possibilite o normal desempenho de funções profissionais;
- com duração mínima de 1 mês e máxima de 12 meses;
- com interesse direto para a empresa ou que proporcione uma formação qualificante para o trabalhador;
-  que impliquem o afastamento do posto de trabalho do trabalhador para a formação.

  • Celebrar com os trabalhadores substitutos, que devem estar desempregados e inscritos no centro de emprego:
- contrato a termo certo;

- contrato de formação em posto de trabalho, visado pelo IEFP.

Período de isenção do pagamento de contribuições

A isenção do pagamento decorre durante a ação de formação com limite máximo de 12 meses ou até ao fim da acção de formação, se o empregador celebrar novo contrato com o trabalhador substituto.

Requerimento e prazo

O requerimento pode ser efetuado:

  • Através do serviço Segurança Social Direta, ou
  • Da apresentação, nos serviços da Segurança Social da área da sede da empresa, do requerimento de isenção do pagamento de contribuições – Mod. GTE2 – DGSS.


Note-se que este requerimento, tal como os documentos que o acompanham, devem ser entregues, pela entidade empregadora, no mês seguinte ao da celebração do contrato de formação.


Texto elaborado a 14 de Agosto, por Boletim do Contribuinte.



quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Enquadramento em sede de IRC, dos encargos com a aquisição de uma viatura ligeira de passageiros, mediante contrato de renting


Viaturas ligeiras de passageiros

Dedutibilidade fiscal das rendas e tributação autónoma dos encargos associados a contratos de renting em sede de IRC
 
O tema que hoje abordamos não apresenta grandes alterações legislativas recentes, contudo, somos, com frequência, confrontados com cenários e face a outras formas de financiamento para a aquisição de uma viatura por parte de uma pessoa coletiva.

Estas afirmações não correspondem à realidade, importando por isso analisar o quadro legal aplicável a estas operações, em sede de IRC.

Se a opção de financiamento recair numa operação de locação, podem colocar-se duas hipóteses: locação financeira, vulgarmente designada por leasing, ou locação operacional, normalmente designada por renting.

Contrato de locação financeira

Por força das regras contabilísticas aplicáveis às operações desta natureza, a viatura é reconhecida no ativo tangível da empresa.

Deste modo, o gasto contabilístico e fiscal ocorre pela prática das depreciações. Para efeitos fiscais, esta dedução encontra-se limitada pela alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC.

Nos termos desta disposição legal, não são aceites como gasto, as depreciações das viaturas ligeiras de passageiros, incluindo os veículos elétricos, na parte correspondente ao custo de aquisição ou ao valor revalorizado excedente ao montante a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças (Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho).

A Portaria regulamentadora, acima referida, foi alterada na sequência da aprovação da reforma da tributação ambiental (Fiscalidade Verde), conforme Lei n.º 82-D/2014de 31 de dezembro.

O artigo 1.º da Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, que define o custo de aquisição ou o valor de reavaliação das viaturas ligeiras de passageiros, para efeitos de IRC, tem atualmente a seguinte composição:
 

Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas adquiridas nos períodos de tributação que se iniciem a 1 de janeiro de 2015 ou após essa data
Tipo de Viatura
Movidos exclusivamento a energia elétrica
Híbridos plug-in
Movidos a gases de petróleo liquefeito ou gás natural veicular   
Restantes viaturas
Limite Fiscal
62.500,00
50.000,00
37.50,00
25.000,00

Contrato de locação operacional

Neste tipo de contratos, onde se inclui, designadamente, o renting, o gasto contabilístico e fiscal é reconhecido através das rendas.

A aceitação fiscal deste gasto está igualmente limitada pela alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC. Esta disposição legal determina que não são aceites, para efeitos de determinação do lucro tributável do IRC, os encargos com o aluguer sem condutor de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, na parte correspondente ao valor das depreciações dessas viaturas que, nos termos das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 34.º, não sejam aceites como gastos.

Facilmente se percebe que o objetivo do legislador foi o de criar um regime neutro quanto à tributação das viaturas, independentemente da forma de financiamento escolhida pelas empresas.
Tendo em conta a definição de contratos de aluguer sem condutor constante do Despacho de 1990-12-31, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (referido na Circular n.º 24, de 1991-12-19, da Direção de Serviços do IRC), o disposto na alínea i) do n.º 1 do atual artigo 23.º-A do Código do IRC é aplicável às situações de aluguer de longa duração, considerando-se como tal o aluguer que se reporta a contratos até 3 meses renováveis e a contractos superiores a 3 meses.

É entendimento da Autoridade Tributária (conforme processo n.º 4399/2011, sancionado por despacho do Subdiretor-Geral, de 2012-03-30) que os contratos de renting integram-se na definição de contratos de aluguer sem condutor, sendo por isso aplicável aos respetivos encargos o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC.

Assim, a parcela da renda correspondente à amortização do capital apenas é aceite como gasto fiscal até ao valor das depreciações anuais que, nos termos das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, seriam dedutíveis no caso de a viatura ter sido objeto de aquisição direta.

Embora a viatura não tenha sido objeto de aquisição direta, não deixa a mesma de ter um preço de venda público ou um preço com desconto (o qual pode ou não figurar no contrato). Logo, será este o valor a considerar como custo de aquisição quer para efeitos de aplicação da taxa de tributação autónoma, quer para efeitos de determinação das depreciações anuais que seriam dedutíveis. O preço a considerar será, pois, aquele que o locador considerou para o cálculo da renda mensal, antes de deduzir o valor residual.

A esse preço terá de ser adicionado o IVA, uma vez que, não sendo dedutível, constitui uma componente do custo de aquisição da viatura.

Exemplo prático

A sociedade VRUM, Lda celebrou, com efeitos a 1 de janeiro de 2015, um contrato de renting para uma viatura ligeira de passageiros movida a gasóleo, no valor de 52.000 euros, a utilizar durante 5 anos.

Admita-se que em 2015 vai suportar os seguintes encargos com a viatura:
 
Amort. Capital
Juros
Seguro
Manutenção
Despesas
Renda Anual
6.200
1.800
900
700
200
9.800


Cálculo da parte correspondente ao valor das depreciações que seria aceite no caso de aquisição direta:

Depreciação contabilística (que seria praticada) = 52.000 x 20% = 10.400

Depreciação aceite fiscalmente = 25.000 x 20% = 5.000 (nota: a taxa de depreciação máxima que seria aceite é de 25%, contudo, o contrato foi feito por um período de 5 anos).

Amortização de capital = 6.200

Gasto não aceite fiscalmente = 6.200 – 5.000 = 1.200 (valor a acrescer na determinação do lucro tributável do IRC do período de 2015 – Quadro 07 da declaração modelo 22, campo 732).

Cálculo das tributações autónomas devidas:

Total da renda anual = 9.800

Tributação autónoma = 9.800 x 35% = 3.430 (a taxa será de 45% no caso de o sujeito passivo apresentar prejuízo fiscal no período).

Resta acrescentar que caso a opção da empresa tivesse recaído num leasing (locação financeira) os encargos fiscais seriam exatamente os mesmos.

Texto elaborado a 10 de Setembro por Abílio Sousa para Apeca.





quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Contrato de trabalho intermitente

Fundamentos para a celebração

O contrato de trabalho intermitente, previsto no Código do Trabalho, destina-se a fazer face às necessidades verificadas em setores cuja atividade, pela sua própria natureza, apresentam uma clara variabilidade estrutural e cujo exercício contempla períodos de inactividade e períodos de actividade de intensidade variável, designadamente em função da sua sazonalidade.

Tal acontece, desde logo, em empresas que laboram em setores cuja colocação no mercado de bens ou serviços se verifica apenas em determinadas épocas, em detrimento de outras (exemplo recorrente do caso das empresas ligadas ao setor da hotelaria, em geral, cuja atividade é descontinuada por natureza e ainda o caso das empresas cujas matérias primas apresentam uma disponibilidade de acesso limitada a determinados períodos do ano).

Esta figura contratual não criada, nem se destina a colmatar necessidades resultantes da ocorrência de circunstancias fortuitas ou de natureza transitória, associadas ao exercício da atividade empresarial.

A celebração de contratos de trabalho desta natureza restringe-se, no âmbito do Código do Trabalho, apenas a empregadores que exerçam atividade sem caracter de continuidade ou com intensidade variável, pelo que as empresas cuja atividade revista as características particulares anteriormente apostadas poderão contratar trabalhadores para o exercício intermitente da prestação de trabalho com recurso a esta figura, de modo a regular uma prestação de trabalho que, na sua origem, não é assegurada continuamente, uma vez que é necessariamente intercalada por um ou mais períodos de inatividade.

Assim, os conceitos de “descontinuidade” e de “intensidade variável” configuram os pressupostos essenciais de base para se aferir da admissibilidade ou inadmissibilidade, do recurso à celebração de contratos de trabalho intermitente.

Natureza e forma do contrato

O mesmo contrato reveste a natureza de contrato por tempo indeterminado, isto é, um contrato de trabalho sem termo, sujeito a forma escrita. Caso não seja observada essa forma, não existirá um contrato de trabalho intermitente, mas, antes, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, sujeito às regras gerais.

Conteúdo do contrato


No que respeita ao conteúdo do clausulado contratual, o mesmo deve conter, sob pena de poder ser considerado como contrato celebrado sem período de inatividade, os seguintes elementos:

- identificação, assinaturas e domicilio ou sede dos contraentes;
- o volume do trabalho a realizar em cada período anual, medido em dias ou em horas, isto é, a indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo (caso o número anual de horas de trabalho ou o número anual de dias de trabalho a tempo completo seja inferior ao limite de 6 meses a tempo completo, por ano, ou nos casos em que falte tal indicação, considera-se o contrato celebrado por este limite).

A prestação de trabalho não pode ser inferior a 6 meses a tempo completo, por ano, dos quais pelo menos 4 meses devem ser consecutivos.

Modalidades contratuais

O Código de Trabalho regula duas modalidades de contrato de trabalho intermitente:
  • Uma, em que as partes estabelecem (no próprio contrato) os períodos de trabalho efectivo, assinalando o seu inicio e o seu termo;
  • A outra modalidade, em que o trabalhador mantém a disponibilidade para iniciar a prestação de trabalho a qualquer momento, desde que o mesmo seja convocado pelo empregador para o efeito com a antecedência prevista no contrato, a qual não poderá ser inferior a 20 dias, sendo que o incumprimento de tal antecedência implica para o empregador a prática de contra-ordenação grave.


Texto elaborado a 17 de Agosto, por Boletim do Contribuinte.


terça-feira, 8 de setembro de 2015

Redução do IMT a partir de 2017

A alínea a) do artigo 10.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro) estabelece que constitui receita dos municípios, designadamente, o produto da cobrança do imposto municipal sobre imóveis (IMI), do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e do imposto municipal sobre veículos (IMV).

Na passada sexta-feira, dia 4, foi publicada a Lei n.º 132/2015, que altera parcialmente a referida disposição da Lei das Finanças Locais, estabelecendo um limite temporal ao direito dos municípios às receitas do IMT até 31 de dezembro de 2018.

Em consequência, as taxas do IMT são reduzidas nos seguintes termos:

a) Em 2017, redução de um terço;
b) Em 2018, redução de dois terços.

Esta alteração, já antes programada para 2016, visa a possível substituição do IMT pelo Imposto do Selo. Esta substituição será possivelmente feita de uma forma faseada, procedendo-se à extinção do IMT em 2019.

Texto elaborado a 07/09/2015 por Abílio Sousa para APECA




quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Enquadramento jurídico - fiscal da atividade de alojamento local

A Autoridade Tributária e Aduaneira divulgou no passado dia 19, o ofício - circulado n.º 20.180, contendo instruções sobre o enquadramento jurídico- tributário da atividade de alojamento local.

Esta atividade tem tido um forte incremento no nosso país e por isso é conveniente que todos os agentes envolvidos -proprietários, concessionários e titulares de exploração estejam bem cientes do enquadramento fiscal aplicável aos rendimentos em causa.

Tendo em conta a atualidade do tema, propomo-nos neste trabalho analisar as diversas vertentes deste setor de atividade.

Regulamentação da atividade de alojamento local

A figura do alojamento local foi criada pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, o qual veio a ser posteriormente alterado pelos Decretos-Leis n.º228/2009, de 14 de setembro, e 15/2014, de 23 de janeiro, para permitir a prestação de serviços de alojamento temporário em estabelecimentos que não reunissem os requisitos legalmente exigidos para os empreendimentos turísticos.

A dinâmica do mercado da procura e oferta do alojamento fez surgir e proliferar um conjunto de novas realidades de alojamento as quais obrigaram a uma nova regulamentação. É nesta sequência que ocorre a publicação do Decreto-Lei n.º 128/2014, 29 de agosto (e não 28, como aparece no supra citado ofício-circulado) que aprovou o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de abril.

Conceito de alojamento local

Nos termos do citado diploma legal, consideram-se estabelecimentos de alojamento local aqueles que prestem serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, e que reúnam os requisitos previstos no referido decreto-lei.

Os estabelecimentos de alojamento local devem integrar-se numa das seguintes modalidades:

a) Moradia- estabelecimento de alojamento local cuja unidade de alojamento é constituída por um edifício autónomo, de caráter unifamiliar;
b) Apartamento - estabelecimento de alojamento local cuja unidade de alojamento é constituída por uma fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente
c) Estabelecimentos de hospedagem - estabelecimento de alojamento local cujas unidades de alojamento são constituídas por quartos.

Os estabelecimentos de hospedagem podem utilizar a denominação hostel se obedecerem aos requisitos previstos no artigo 14.º do Decreto - Lei n.º 128/2014, 29 de agosto com a redação que lhe foi conferida pelo Decreto - Lei n.º 63/2015, de 23 de abril.

Enquadramento jurídico da atividade de alojamento local

O diploma que rege o enquadramento jurídico da atividade de alojamento local  é importante também para efeitos fiscais, sobretudo pela definição do conceito  de prestação de serviços de alojamento constante do seu artigo 4.º.

Determina esta disposição legal, que para todos os efeitos, a exploração de estabelecimento de alojamento local corresponde ao exercício, por pessoa singular ou coletiva, da atividade de prestação de serviços de alojamento.

Esclarece ainda o diploma que se presume existir exploração e intermediação de estabelecimento de alojamento local quando um imóvel ou fração deste:

a) Seja publicitado, disponibilizado ou objeto de intermediação, por qualquer forma, entidade ou meio, nomeadamente em agências de viagens e turismo ou sites da Internet, como alojamento para turistas ou como alojamento temporário; ou

b) Estando mobilado e equipado, neste sejam oferecidos ao público em geral, além de dormida, serviços complementares ao alojamento, nomeadamente limpeza ou receção, por períodos inferiores a 30 dias.

O exercício da atividade de alojamento local obedece a um registo do estabelecimento. Este registo de estabelecimentos de alojamento local é efetuado mediante mera comunicação prévia dirigida ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente.

Esta comunicação prévia é acompanhada de uma série de documentos, entre os quais é exigida a cópia simples da declaração de início ou alteração de atividade do titular da exploração do estabelecimento para o exercício da atividade de prestação de serviços de alojamento correspondente à secção I, subclasses 55201 ou 55204 da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, apresentada junto da Autoridade Tributária.

Este requisito estabelecido pelo diploma regulamentador é muito importante para efeitos fiscais, pois enquadra claramente a atividade. A divisão 55 da CAE respeita a atividades de alojamento (atividade industrial). A subclasse 55201 é definida como - alojamento mobilado para turistas e a subclasse 55204 – outros locais de alojamento de curta duração.

Enquadramento da atividade de alojamento local em sede de IRS

A atividade de exploração de alojamento local tem enquadramento na categoria B do IRS, como rendimento de natureza empresarial, conforme alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IRS.

Contudo, tal como o ofício-circulado identifica, podem observar-se três tipos de situações no âmbito desta atividade:

a) O proprietário do estabelecimento é também o titular da exploração de alojamento local

Nestas circunstâncias os rendimentos derivados da exploração do alojamento local são tributados de acordo com as regras da categoria B do IRS, podendo o sujeito passivo optar entre o regime simplificado e o regime da contabilidade.

No regime simplificado, o rendimento tributável obtém-se através daaplicação do coeficiente 0,15, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, aos rendimentos brutos das prestações de serviços.

No regime da contabilidade aplicam-se as regras estabelecidas no Código do IRC com as necessárias adaptações, conforme expresso no artigo 32.º do Código do IRS.

Convém relembrar que o exercício da atividade desta forma implica a consequente passagem dos imóveis da esfera individual para a esfera empresarial verificando-se por isso a incidência de mais-valias emsede de IRS, prevista na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.

Esta mais -valia beneficia, no entanto, de um regime de suspensão de tributação, conforme alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo 10.º.

Esta disposição legal determina que nos casos de afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas.

b) O proprietário do imóvel arrenda as instalações a outra pessoa esta o titular da exploração de alojamento local 

Nesta situação, o proprietário do imóvel obtém rendimentos de natureza predial. Face ao disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Código do IRS, consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação noâmbito da categoria B.

Tal como já referimos anteriormente noutro artigo sobre esta matéria, em nossa opinião, esta opção deve ser bem ponderada uma vez que a mesma tem as consequências acima abordadas.

Os rendimentos obtidos pelo titular da exploração de alojamento local têm enquadramento na categoria B como rendimentos empresariais.

c) O proprietário o estabelecimento é inicialmente também o titular da exploração de alojamento local mas efetua uma cedência de exploração

Nesta situação os rendimentos obtidos pelo titular da exploração de alojamento local têm enquadramento na categoria B como rendimentos empresariais tal como acima referido.

Por seu lado, o proprietário do estabelecimento obtém rendimentos derivados da cessão temporária de exploração de estabelecimento, os quais têm igualmente enquadramento na categoria B do IRS, conforme previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do Código do IRS.

Atividade de alojamento local exercida por um sujeito passivo não residente

Os sujeitos passivos não residentes (singulares ou coletivos) que obtenham em Portugal rendimentos derivados do arrendamento de imóveis estão obrigados a apresentar declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS ou modelo 22 de IRC) através de representante fiscal a designar para o efeito.

Caso o proprietário do estabelecimento seja também o titular da exploração de alojamento local estaremos perante uma situação que configura um estabelecimento estável.

Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRC, considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. A atividade de alojamento local está intrinsecamente ligada ao imóvel e dele não se pode dissociar. É através do imóvel (instalação fixa) que a atividade se desenvolve, configurando assim a existência de um estabelecimento estável.

A existência de estabelecimento estável determina, para efeitos de IRC, que a entidade não residente tem obrigações fiscais e contabilísticas idênticas às de um sujeito passivo residente, sendo o seu lucro tributável determinado nos termos do artigo 55.º do Código do IRC.

O conceito de estabelecimento estável constante do Código do IRC é aplicável ao IRS com as necessárias adaptações, conforme determina o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IRS.

Enquadramento da atividade de alojamento local em sede de IVA

No âmbito do IVA, as diversas vertentes acima descritas obrigam à análise do enquadramento de dois tipos de rendimentos:

a)Incidência de IVA quanto às rendas recebidas;
b)Incidência de IVA nas prestações de serviços de alojamento local.

Sobre esta temática, aconselhamos a leitura da informação vinculativa da AT, constante do processo n.º2570, cujas conclusões foram sancionadas por despacho do Subdiretor-Geral dos Impostos, na qualidade de substituto legal do Diretor-Geral, em 2011-10-20 e as quais procuraremos aqui resumir.

A locação de imóveis no Código do IVA

A locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA.

No entanto, o princípio geral de tributação, segundo o qual o imposto é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo de imposto, prevê determinadas derrogações, entre as quais, o n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta, salvo nas situações descritas nas respetivas alíneas a) a e).

A administração fiscal tem utilizado um critério preciso que permite distinguir as situações de locação do imóvel pura e simples - mero arrendamento - das outras situações em que esse arrendamento, nas condições em que é realizado, proporciona ao locatário um determinado valor acrescentado.

Assim, só se encontra isenta de IVA a locação de bens imóveis para fins habitacionais ou para fins não habitacionais - comerciais, industriais ou agrícolas -quando for efetuada "paredes nuas", no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou "apenas o solo" no caso de prédios rústicos.

O conceito "paredes nuas", não se limita ao facto de a locação ser acompanhada ou não de determinados bens de equipamento, mobiliário ou utensílios, está intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva doimóvel, ou melhor, a preparação para o exercício de um atividadempresarial.

No caso do alojamento local, o arrendamento dos imóveis tem como objeto único a exploração de uma atividade económica que extravasa, na opinião da AT,a mera locação de bens imóveis prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

Em resumo, a AT entende que o arrendamento de um imóvel para o desenvolvimento da atividade de alojamento local, pode não configurar um mero arrendamento simples mas sim o arrendamento de um imóvel com aptidão para o desenvolvimento da referida atividade, bastando observar-se esta condição para afastar a isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

IVA na prestação de serviços de alojamento local

Os estabelecimentos de alojamento local efectuam serviços em tudo similares aos prestados em estabelecimentos do tipo hoteleiro se, para tal, vierem a ser licenciados de acordo com a legislação já referida.

Assim, tais serviços beneficiam do enquadramento na Verba 2.17 da Lista I, anexa ao Código do IVA e como tal estão sujeitos a IVA à taxa reduzida.

A taxa reduzida aplica-se exclusivamente ao preço do alojamento, incluindo o pequeno-almoço, se não for objeto de facturação separada, sendo equivalente a metade do preço da pensão completa e a três quartos do preço da meia pensão.

Texto elaborado a 24 de Agosto de 2015 por Abílio Sousa para APECA.



segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O estranho caso “D71” Contributos para o esclarecimento da polémica sobre os coeficientes do regime simplificado do IRS

Podia ser o título de um romance policial, leitura aprazível para o tempo de férias que atravessamos, mas infelizmente o tema que hoje abordamos é uma enorme preocupação para muitos sujeitos passivos de IRS.

A administração fiscal tem emitido diversos avisos de divergência na validação das declarações de IRS (código D71) alegando que o coeficiente para determinação do lucro tributável do regime simplificado de diversas atividades como por exemplo cabeleireiros, reparação e manutenção de produtos metálicos, reparação de veículos, estucador, pintor, eletricista ou canalizador é o coeficiente de 0,75, a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRS.

Pela leitura do texto legal, os sujeitos passivos estavam convencidos que o coeficiente aplicável seria 0,10, pelo simples facto de as atividades acima elencadas não constarem da lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.

Como é evidente esta diferença é significativa e da mesma resultam montantes de imposto claramente diferentes.

A questão que nos propomos abordar é esta: a AT tem razão?

Comecemos por analisar a origem da polémica.

A origem do problema: duas circulares com interpretações diferentes do texto legal

A reforma do IRC introduziu um novo regime simplificado para efeitos deste imposto. Em consequência, foram efetuados alguns ajustamentos no regime simplificado do IRS, aprovados na lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro).

Em março de 2014 e com a distância de apenas 8 dias, a AT divulgou duas circulares com esclarecimentos sobre a aplicação do(s) novo(s) regime(s) simplificado(s).

Já nessa altura tivemos a oportunidade de expressar a nossa discordância sobre o conteúdo da circular n.º 5/2014, de 20 de março, relativa ao regime simplificado do IRS, onde está expresso o entendimento no qual a AT se baseia para a tão polémica divergência “D71”.

De acordo com o entendimento divulgado através referida circular, o coeficiente de 0,75, a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRS, é aplicável aos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código, independentemente da atividade exercida estar, nos termos do artigo 151.º do Código do IRS, classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto.

O entendimento da AT expresso nesta circular é ainda mais explícito quando refere que estão igualmente abrangidas por este coeficiente as atividades incluídas no código “1519 - outros prestadores de serviços” da tabela do aludido artigo 151.º.

No dia 28 de março, a AT divulgou nova circular desta vez com esclarecimentos sobre o regime simplificado do IRC.

A circular n.º 6/2014 expressa um entendimento totalmente diferente no que respeita aos coeficientes a aplicar aos rendimentos em causa.

Refere esta instrução administrativa no ponto 12, parágrafo ii) o seguinte:

“No que se refere aos rendimentos de prestações de serviços, que não respeitem a atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, o legislador do IRC prevê dois coeficientes distintos.

Assim, deve entender-se que o coeficiente de 0,75 e aplicável, especificamente, aos rendimentos das atividades profissionais concretamente previstas na lista anexa ao Código do IRS, sendo o coeficiente de 0,10 aplicável, genericamente, aos rendimentos das restantes prestações de serviços.

Convém notar que a palavra “especificamente” não constava do texto da lei à data, pois este termo só veio a ser adicionado à redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 86.º-B do Código do IRC pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro.

Chegados a este ponto, perguntamos em que ficamos? Quem tem razão? O IRS ou o IRC? Ou será que é possível que as respetivas direções de serviços possam ter interpretações diferentes do texto legal?

Em nossa opinião, para podermos obter uma resposta consistente a fundamentada a estas questões temos de analisar a origem das alterações e os fundamentos que as motivaram.

É com alguma tristeza crítica que constatamos que continuam a ser produzidos extensos relatórios sobre matéria fiscal que não são lidos ou raramente são tidos em conta na produção de instruções administrativas.

Note-se que o objetivo das circulares é produzir esclarecimentos e proporcionar interpretações do texto legal que permitam aos sujeitos passivos e seus representantes compreender e executar as normas.

Contudo, uma circular não pode sobrepor-se ao texto legal, tanto mais que a nossa legislação proíbe a interpretação extensiva das normas fiscais.

A motivação das alterações

Em nossa opinião, a origem da alteração dos coeficientes do IRS está na reforma do IRC.

A intenção do legislador é bem clara, basta para isso atendermos ao que refere o relatório que acompanha o Orçamento do Estado para 2014.

Na página 67 desse documento pode ler-se o seguinte: “A reforma (do IRC) propõe um regime simplificado opcional (só aderem as empresas que assim o entenderem), aplicável a empresas com volume de negócios não superior a 200 mil euros e total de balanço não superior a 500 mil euros, abrangendo potencialmente mais de 330 mil empresas (70% do tecido empresarial). Simultaneamente, e de forma a equiparar os dois regimes, altera-se o regime simplificado de IRS nos mesmos moldes (quer em termos de coeficientes, quer em termos de limite máximo de volume de negócios), abrangendo cerca de 160 mil empresários em nome individual.”.

Concentrando a nossa atenção no segundo parágrafo parece-nos que tudo fica claro, as alterações no IRS foram efetuadas de forma a equiparar os dois regimes.

Percebe-se bem a intenção do legislador a qual visa evitar a continuação do que tem acontecido nos últimos anos, ou seja, a fuga generalizada de sujeitos passivos do IRS para o IRC inundando este imposto de entidades que não têm uma verdadeira estrutura empresarial.

Neste sentido permitam-nos sublinhar que o parágrafo citado refere expressamente a preocupação em equiparar os coeficientes do IRC com os do IRS.

Conclusão

Tendo em conta todo este raciocínio podemos desde logo concluir que não se mostra legítimo que a gestão dos dois impostos tenha interpretações diferentes sobre a aplicação dos coeficientes pois tal entendimento contraria claramente o espírito e a intenção do legislador, como ficou demonstrado.

Assim, resta-nos decidir quem tem razão, o IRC ou o IRS. Atente-se que quer com a reforma do IRS encetada em 2015 quer com a alteração efetuada também em 2015, à redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 86.º-B do Código do IRC, ficou claro que o coeficiente 0,75 se aplica apenas às atividades especificamente constantes da lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.

Nestes termos é legítimo concluir que em 2014, também apenas a estas será de exigir a aplicação do referido coeficiente, independentemente (neste ponto concordamos com a AT) da atividade exercida estar enquadrada num dos códigos da tabela do artigo 151.º do Código do IRS ou classificada de acordo com a CAE.

Como sempre, resta-nos esperar que o bom senso impere.

Termino com um desejo que é uma pergunta em simultâneo. Para quando a revisão da lista das atividades do artigo 151.º? É aqui que reside a origem de muitos dos problemas de interpretação, mesmo noutros domínios, como por exemplo no regime de transparência fiscal.

Texto elaborado a 2015-08-06 por Abílio Sousa para APECA




sexta-feira, 24 de julho de 2015

Evolução da consciência e as empresas.


Há séculos que a noção de consciência suscita a curiosidade dos filósofos, teólogos assim como dos cientistas.

A verdade é ainda hoje a consciência continua a ser um conceito difícil de definir.

Algumas tentativas foram feitas para a descrever tais como;

"A consciência é o processo de criação de um modelo do mundo que nos rodeia, usando a informação captada pelos múltiplos sensores do corpo humano isto é Temperatura, espaço, tempo e muitos outros com vista à concretização de um objectivo."

Os seres vivos criam um modelo do mundo ou realidade em que vivem baseado na informação que obtêm.

Os seres humanos vão mais longe e concebem um modelo do mundo baseado nos parâmetros do espaço e do tempo.


Nos seres humanos o parâmetro tempo é utilizado para avaliar as experiências e conhecimentos adquiridos no passado de forma a simular o futuro.


Por outras palavras o cérebro humano é uma máquina de antecipar e "fazer o futuro".

Fazer o futuro é a função mais importante do cérebro humano.

Na evolução da vida os animais reagem por instinto e emoção e não planeando o futuro de forma sistemática.

Por exemplo os mamíferos não fazem planos para hibernar no inverno, seguem o instinto quando a temperatura começa a descer.

A consciência desses animais é dominada por mensagens e informação recebida vinda dos sentidos. Quando usam a astúcia e o disfarce para seguir uma presa inocente os predadores prevêem de facto acontecimentos futuros, mas esse planeamento circunscreve-se ao instinto é ao tempo de duração da caçada.


Os seres humanos por seu lado procedem constantemente a fazer simulações que por vezes vão para além do seu tempo de vida. O objectivo dessas simulações é analisar as diversas possibilidades para encontrar a melhor decisão com a informação ao seu dispor de forma a cumprir com os seus objectivos.

Se considerarmos a evolução dos seres vivos, desde dos seus instintos básicos à formação da consciência, podemos facilmente fazer um paralelo com a evolução da consciência dos empresários e empresas.
Muitos dos empresários reagem por instinto e emoção.


Reagem desta forma por várias razões:

  • Falta de conhecimentos de gestão:
  • Não querer apreender, preferindo fazer o que sempre fez e em muitos casos continuando a espera por resultados diferentes;
  • A percepção de que a gestão empresas é um tema difícil e enfadonho.
  • Muitas vezes e na maioria dos casos complicar o que é simples é a norma, pelo menos passa a sensação de se estar bastante ocupado.
A gestão é pelo contrario uma matéria simples de lidar e essencial para todos empresários.
Não é possível gerir uma empresa sem ter a mínimo conhecimento e capacidade de análise da informação que é produzida todos os dias.

A realidade é feita de informação e quando esta é fraca e não analisada a probabilidade de criar uma realidade futura, pobre e deprimente é muito alta.

Pelo contrário quando a informação é fidedigna, verdadeira e devidamente analisada a probabilidade de sucesso e exponencial.   


Quem gere as empresas são humanos e estes naturalmente passam a sua vida a simular o futuro quer das suas necessidades básicas como as de mais alta importância.

Tenho verificado que muitas vezes essas práticas inerentes dos seres humanos não são utilizadas pelos mesmos quando gerem as suas empresas;

A questão é PORQUÊ?



segunda-feira, 20 de julho de 2015

A importância do Comercial nas Empresas

O maior objectivo de uma empresa é encontrar o comercial/vendedor que seja congruente com os seus objectivos.
Um negócio não sobrevive sem vendas.

É de extrema importância recrutar a equipa de vendas certa e que todos os seus membros estejam congruentes com os objectivos da empresa e ao mesmo tempo compreendam os diferentes estágios e ciclos em que empresa se encontra no mercado.

A equipa de vendas pode ser responsável pelo sucesso da empresa como também pelo possível falhanço da mesma.

Neste capítulo de contratação do parceiro ou colaborador comercial muitas vezes é fácil errar, especialmente quando o empresário não tem muita experiência de vendas ou quando não tem tempo disponível para angariar novos negócios/clientes, porque tem de se concentrar na qualidade dos serviços que presta e na manutenção dos clientes em carteira.

Em muitos casos um “pau de dois bicos”.
O ingrediente mais importante que o empresário tem de procurar quando no processo de recrutamento é a capacidade do candidato se identificar com o projecto, i.e.

  • Acredita no produto/serviço que vai comercializar?
  • Tem argumentos próprios para transmitir os benefícios do produto/serviço aos potenciais clientes de forma a fechar o negócio?
A verdade seja dita nem todos os vendedores têm capacidade ou personalidade de operarem num ambiente caótico que caracteriza em muitos casos o estágio inicial de uma empresa. 
Nem todos os vendedores estão preparados a arregaçar as mangas e fazer trabalho ou tarefas que muitas vezes não fazem parte da sua descrição de funções. Alguns vendedores só conseguem trabalhar se tiverem uma equipa de “Back Office” a ajudar, de forma a preparar a estatística, logística e administração de potenciais clientes. 

Não se conhece as características dos colaboradores até estes entrarem para a empresa, porque durante o período da entrevista e sendo eles bons vendedores conseguem com uma certa facilidade vender a sua imagem e aquilo que têm e não têm.

É necessário saber “ler nas entrelinhas” do CV quando no processo do recrutamento e perceber o que falhou nas posições anteriores.

A triste realidade é que estatisticamente só 1 em cada 3 candidatos possuem os requisitos que a empresa necessita, portanto, o recrutamento de um comercial é um processo muito difícil e dispendioso para qualquer empresa especialmente durante o período de introdução no mercado.

As empresas no processo de introdução no mercado têm recursos financeiros limitados e o pior que pode acontecer é desperdiçar esses mesmos recursos, que são limitados, numa equipa de vendas com baixo desempenho.

Quanto mais tempo é permitido a um mau vendedor em permanecer na sua posição mais custos adicionais causa. Os custos directos são os salários e as regalias laborais e os custos indirectos? 

Os custos indirectos resumem-se à falta de vendas, passagem de uma imagem negativa e redutora da empresa que pode em muitos casos afasta potenciais clientes assim como também clientes já capturados e supostamente fidelizados.


A combinação destes dois custos (despesas fixas e recitas perdidas) são muitas vezes as causas dos falhanços de muitas Start Ups.

Texto elaborado por Mário Ferreira, Partner Acountia Tavira


sexta-feira, 17 de julho de 2015

Cinco dicas para evitar mal entendidos nos emails profissionais

Precisa de escrever um mail a um cliente, a um fornecedor ou mesmo a um colaborador, mas não sabe como começar? Não se preocupe. A dificuldade em encontrar as palavras certas não é só sua. A transmissão de uma mensagem por escrito nem sempre é fácil e frequentemente dá lugar a interpretações incorretas. Foi exatamente com o objetivo de evitar mal entendidos nos mails que a Harvard Business Review publicou algumas dicas para facilitar a vida dos profissionais na hora de escrever um email para as chefias, colegas, clientes e fornecedores.

1. Coloque-se no lugar do leitor 
É preciso compreender o que influencia a interpretação de um e-mail. Segundo Andrew Brodsky, instrutor do curso de negociação na Harvard University Extension School, as pessoas colocam as suas próprias expectativas emocionais na forma como lêem as mensagens, independentemente, da intenção de quem envia. Antes de clicar “enviar”, lembre-se da personalidade, hierarquia e tipo de relação que tem com o destinatário. Evite más interpretações antes mesmo de elas acontecerem.

2. Imite o estilo de quem o lê
O seu destinatário escreve de forma formal? Ou envia vários símbolos de sorrisos no corpo do texto? Para o autor, é importante que estude e copie o estilo do recetor, de forma a aproximar-se mais do seu género de escrita. Usar as mesmas palavras ou expressões traz proximidade. Segundo um estudo, o recurso a esta prática melhorou em 30% o resultado de negociações por escrito.

3. Seja objetivo
Para evitar constrangimentos, seja claro e direto. Para Brodsky é importante que seja explícito quanto às suas emoções para evitar lapsos de entendimento. Se quer chamar à atenção um colaborador, faça-o objetivamente. Segundo o autor, “se andar à volta da questão, com palavras mais atenciosas”, o funcionário pode não entender como uma crítica e continuará a cometer o mesmo erro.

4. Gralhas podem dar um ar mais humano de si
A teoria é surpreendente e pode até ser um pouco polémica. Segundo o instrutor do curso de negociação na Harvard University Extension School pequenos erros de digitação no seu e-mail podem dar um tom mais genuíno à mensagem. Especialmente nos casos em que o remetente desempenha cargos de liderança. Cometer pequenos erros ocasionalmente pode até mesmo ajudá-lo a parecer mais acessível.

5. Indique quem é
Mostrar o seu lado pessoal e humano traz familiaridade e confiança ao diálogo. Pesquisadores de Stanford e da Northwestern University analisaram negociações feitas por e-mail e chegaram à conclusão que as conversas que começavam “mais informais” tinham resultados mais positivos.
 

Fonte: Saldopositivo.cgd.pt

terça-feira, 2 de junho de 2015

Contributos para compreender e utilizar a Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR)

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aprovou um novo benefício fiscal ao reinvestimento de lucros e reservas inicialmente previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
 
Posteriormente, a Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, concedeu uma autorização legislativa ao Governo para aprovar um novo Código Fiscal do Investimento e a alterar o Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Como funciona o benefício?
A DLRR pode ser aplicada por dedução à coleta do IRC, relativas aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, ou seja, os sujeitos passivos de IRC que estejam em condições de a utilizar podem efetuar esta dedução já na declaração modelo 22 do período de 2014, cujo prazo normal de entrega está a decorrer até ao final de maio.


Por se tratar de uma dedução à coleta, o benefício é mencionado no campo 355 do Quadro 10 da declaração modelo 22 e igualmente indicado no campo 727 do Quadro 075 do Anexo D da mesma declaração.

A utilização do benefício tem por base a constituição no balanço de uma reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos, a qual tem como montante máximo € 5.000.000,00.

O valor do benefício fiscal é 10% do montante desta reserva, contudo, a dedução não pode exceder 25% da coleta do IRC do período em causa. É necessário ter em atenção que ao contrário do que sucede com outros benefícios ao investimento que operam por dedução à coleta, na DLRR não existe reporte de eventual excesso. Assim, recomenda-se algum cuidado na constituição da reserva quanto ao seu montante, tanto mais que por força do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do Código Fiscal do Investimento, a mesma não pode ser utilizada para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis.

Em nossa opinião, do ponto de vista do direito societário, esta reserva configura uma reserva livre. As reservas livres, tal como as reservas legais, resultam sempre de uma decisão de aplicação dos resultados positivos obtidos no exercício corrente ou da aplicação de resultados transitados, tomada em assembleia-geral de acordo com o Código das Sociedades Comerciais.

O referido Código não impede que as reservas livres sejam distribuídas aos sócios, desde que tal resulte de uma decisão tomada em assembleia-geral, razão pela qual se compreende que o legislador tenha acautelado esta situação na DLRR, uma vez que o objetivo deste benefício fiscal é o reforço dos capitais próprios direcionado para o investimento produtivo.

Que lucros podem ser utilizados na constituição da reserva especial para investimento?
Esta pergunta sintetiza uma das principais dúvidas que tem sido colocada quanto à DLRR. A questão reside em saber se na constituição da reserva podem ser utilizados todos os lucros disponíveis, ainda que resultantes de períodos anteriores a 2014 ou apenas os lucros obtidos após 2014 inclusive.

Tal como acima referimos, se analisarmos esta questão à luz do direito societário e até do ponto de vista contabilístico, facilmente se conclui que a resposta inclui todos os lucros disponíveis.

Contudo, importa analisar a questão um pouco mais em profundidade. Com efeito, esta reserva é livre mas também é especial na justa medida em que a mesma se destina a dar cobertura ao investimento elegível que por sua vez permite a utilização da DLRR. Quer isto dizer que a reserva especial a constituir no balanço não obedece só às regras contabilísticas e societárias porque tem uma natureza fiscal.

Socorrendo-nos do artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (que se intitula “constituição do direito aos benefícios fiscais”), à falta de melhor, constatamos que esta disposição legal determina que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos.

Neste sentido, somos de opinião que a reserva especial não pode ser constituída com base nos lucros obtidos pelo sujeito antes do período de 2014, uma vez que nessa data o benefício fiscal ainda não existia.

Por outro lado, o alcance desta norma pode ir ainda mais longe, determinando que não serão elegíveis para efeitos da constituição da reserva, os lucros relativos a períodos em que o sujeito passivo não verifique os pressupostos exigidos pela DLRR, o que nos leva à questão seguinte.

Quais as condições que os sujeitos passivos têm que cumprir para poderem utilizar a DLRR?
Estas condições estão expressas no artigo 28.º do Código Fiscal do Investimento.

Podem beneficiar da DLRR os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, bem como os sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável neste território, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
  • Sejam micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003;
  • Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;
  • O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; e
  • Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada. 
Qual é o prazo que o sujeito passivo tem para efetuar o investimento elegível? Os investimentos efetuados em 2014 são relevantes?

A resposta à primeira pergunta resulta diretamente da lei, uma vez que a parte final do n.º 1 do artigo 29.º do Código Fiscal do Investimento determina que os lucros retidos devem ser reinvestidos em aplicações relevantes no prazo de dois anos contado a partir do final do período de tributação a que os mesmos respeitam.

Neste particular é ainda de salientar que o aspeto relevante na utilização da DLRR assenta nos lucros que deram origem à reserva e não no momento em que esta é constituída, pois não existe qualquer imposição legal quanto a esse mesmo momento.

Já a resposta à segunda pergunta está envolta numa densa bruma legislativa, sobre a qual, mais uma vez, expressaremos a nossa opinião.

Para isso há que atender ao processo legislativo que conduziu à introdução da DLRR no Código Fiscal do Investimento.

Quando o benefício foi criado, passou a constar do Estatuto dos Benefícios Fiscais (artigos 66.º-C a 66.º-L). Nesta altura, ou seja, até à publicação do Código Fiscal do Investimento não existiam quaisquer dúvidas quanto a esta questão. Com efeito, a redação do ex-artigo 66.º-L do Estatuto dos Benefícios Fiscais, determinava expressamente que os lucros retidos relativos ao primeiro período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014 podiam ser reinvestidos em ativos elegíveis nos termos do ex-artigo 66.º-F nesse período de tributação ou no prazo de dois anos contado do final desse período.

Com a aprovação e publicação do Código Fiscal do Investimento este artigo desapareceu do texto da lei, o que levanta a dúvida quanto à sua aplicação.

Como acima referimos, a publicação do Código Fiscal do Investimento resulta de uma autorização legislativa constante da Lei n.º 44/2014, de 11 de julho.

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º da referida lei, a autorização concedida ao governo tem o sentido e extensão de alterar o benefício ao reinvestimento de lucros e reservas previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, transferindo-o para o novo Código Fiscal do Investimento.

Esta norma tem um carácter mais genérico, sendo o alcance da mesma melhor especificado o n.º 4 do mesmo artigo.

A alínea e) deste último artigo define com rigor o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao governo, precisando esta que a autorização concedia ao governo visa estabelecer que o benefício ao reinvestimento de lucros e reservas, previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, passe a estar integralmente estabelecido e regulado no novo Código Fiscal do Investimento.

A palavra “integralmente” traduz bem, em nossa opinião, a pretensão do legislador, ou seja, nunca esteve na intenção do legislador retirar da lei a possibilidade de os investimentos realizados em 2014 não serem elegíveis para efeitos da DLRR.

O facto de o legislador não ter transposto a DLRR na totalidade pode ser entendido no sentido de que tal não seria necessário, uma vez que o n.º 1 do artigo 29.º do Código Fiscal do investimento define um prazo máximo para concretização do investimento mas em momento algum impede a realização do investimento no próprio ano a que respeitam os lucros retidos.

O sentido e extensão da autorização legislativa é claro e mesmo que se pretendesse eliminar o ex-artigo 66.º-L tal não seria possível pelas razões expostas.

Assim, é nossa opinião que os investimentos efetuados em 2014 são relevantes para efeitos de aplicação da DLRR.

Quais são os investimentos relevantes?
Para efeitos da DLRR, consideram-se aplicações relevantes os ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
   a) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projetos de indústria extrativa;
  b) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas;
   c) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo;
   d) Artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
  e) Ativos afetos a atividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do setor público.

As adições a investimentos em curso que não consistam em adiantamentossão igualmente relevantes.

As aplicações relevantes em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos devem ser detidas e contabilizadas de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade, por um período mínimo de cinco anos.

A DLRR não é cumulável, relativamente às mesmas aplicações relevantes elegíveis, com quaisquer outros benefícios fiscais ao investimento da mesma natureza. Contudo, é possível acumular a DLRR com o regime de benefícios contratuais e com o RFAI, desde que não sejam ultrapassadas as taxas máximas de auxílio a que se refere o artigo 43.º do Código Fiscal do Investimento.

Que elementos devem constar no dossier fiscal?
Para terminar deixamos aqui alguns cuidados a ter na documentação comprovativa a juntar ao dossier fiscal pelos sujeitos passivos que utilizem a DLRR.

A dedução da DLRR é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente o montante dos lucros retidos e reinvestidos, as aplicações relevantes objeto de reinvestimento, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes.

Por outro lado, a contabilidade dos sujeitos passivos de IRC beneficiários da DLRR deve evidenciar o imposto que deixe de ser pago em resultado da dedução efetuada à coleta do IRC, mediante menção do valor correspondente no anexo às demonstrações financeiras relativa ao exercício em que se efetua a dedução.

Texto elaborado a 12 de Maio, por Abílio Sousa, para Apeca