terça-feira, 2 de junho de 2015

Contributos para compreender e utilizar a Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR)

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aprovou um novo benefício fiscal ao reinvestimento de lucros e reservas inicialmente previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
 
Posteriormente, a Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, concedeu uma autorização legislativa ao Governo para aprovar um novo Código Fiscal do Investimento e a alterar o Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Como funciona o benefício?
A DLRR pode ser aplicada por dedução à coleta do IRC, relativas aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, ou seja, os sujeitos passivos de IRC que estejam em condições de a utilizar podem efetuar esta dedução já na declaração modelo 22 do período de 2014, cujo prazo normal de entrega está a decorrer até ao final de maio.


Por se tratar de uma dedução à coleta, o benefício é mencionado no campo 355 do Quadro 10 da declaração modelo 22 e igualmente indicado no campo 727 do Quadro 075 do Anexo D da mesma declaração.

A utilização do benefício tem por base a constituição no balanço de uma reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos, a qual tem como montante máximo € 5.000.000,00.

O valor do benefício fiscal é 10% do montante desta reserva, contudo, a dedução não pode exceder 25% da coleta do IRC do período em causa. É necessário ter em atenção que ao contrário do que sucede com outros benefícios ao investimento que operam por dedução à coleta, na DLRR não existe reporte de eventual excesso. Assim, recomenda-se algum cuidado na constituição da reserva quanto ao seu montante, tanto mais que por força do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do Código Fiscal do Investimento, a mesma não pode ser utilizada para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis.

Em nossa opinião, do ponto de vista do direito societário, esta reserva configura uma reserva livre. As reservas livres, tal como as reservas legais, resultam sempre de uma decisão de aplicação dos resultados positivos obtidos no exercício corrente ou da aplicação de resultados transitados, tomada em assembleia-geral de acordo com o Código das Sociedades Comerciais.

O referido Código não impede que as reservas livres sejam distribuídas aos sócios, desde que tal resulte de uma decisão tomada em assembleia-geral, razão pela qual se compreende que o legislador tenha acautelado esta situação na DLRR, uma vez que o objetivo deste benefício fiscal é o reforço dos capitais próprios direcionado para o investimento produtivo.

Que lucros podem ser utilizados na constituição da reserva especial para investimento?
Esta pergunta sintetiza uma das principais dúvidas que tem sido colocada quanto à DLRR. A questão reside em saber se na constituição da reserva podem ser utilizados todos os lucros disponíveis, ainda que resultantes de períodos anteriores a 2014 ou apenas os lucros obtidos após 2014 inclusive.

Tal como acima referimos, se analisarmos esta questão à luz do direito societário e até do ponto de vista contabilístico, facilmente se conclui que a resposta inclui todos os lucros disponíveis.

Contudo, importa analisar a questão um pouco mais em profundidade. Com efeito, esta reserva é livre mas também é especial na justa medida em que a mesma se destina a dar cobertura ao investimento elegível que por sua vez permite a utilização da DLRR. Quer isto dizer que a reserva especial a constituir no balanço não obedece só às regras contabilísticas e societárias porque tem uma natureza fiscal.

Socorrendo-nos do artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (que se intitula “constituição do direito aos benefícios fiscais”), à falta de melhor, constatamos que esta disposição legal determina que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos.

Neste sentido, somos de opinião que a reserva especial não pode ser constituída com base nos lucros obtidos pelo sujeito antes do período de 2014, uma vez que nessa data o benefício fiscal ainda não existia.

Por outro lado, o alcance desta norma pode ir ainda mais longe, determinando que não serão elegíveis para efeitos da constituição da reserva, os lucros relativos a períodos em que o sujeito passivo não verifique os pressupostos exigidos pela DLRR, o que nos leva à questão seguinte.

Quais as condições que os sujeitos passivos têm que cumprir para poderem utilizar a DLRR?
Estas condições estão expressas no artigo 28.º do Código Fiscal do Investimento.

Podem beneficiar da DLRR os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, bem como os sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável neste território, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
  • Sejam micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003;
  • Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;
  • O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; e
  • Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada. 
Qual é o prazo que o sujeito passivo tem para efetuar o investimento elegível? Os investimentos efetuados em 2014 são relevantes?

A resposta à primeira pergunta resulta diretamente da lei, uma vez que a parte final do n.º 1 do artigo 29.º do Código Fiscal do Investimento determina que os lucros retidos devem ser reinvestidos em aplicações relevantes no prazo de dois anos contado a partir do final do período de tributação a que os mesmos respeitam.

Neste particular é ainda de salientar que o aspeto relevante na utilização da DLRR assenta nos lucros que deram origem à reserva e não no momento em que esta é constituída, pois não existe qualquer imposição legal quanto a esse mesmo momento.

Já a resposta à segunda pergunta está envolta numa densa bruma legislativa, sobre a qual, mais uma vez, expressaremos a nossa opinião.

Para isso há que atender ao processo legislativo que conduziu à introdução da DLRR no Código Fiscal do Investimento.

Quando o benefício foi criado, passou a constar do Estatuto dos Benefícios Fiscais (artigos 66.º-C a 66.º-L). Nesta altura, ou seja, até à publicação do Código Fiscal do Investimento não existiam quaisquer dúvidas quanto a esta questão. Com efeito, a redação do ex-artigo 66.º-L do Estatuto dos Benefícios Fiscais, determinava expressamente que os lucros retidos relativos ao primeiro período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014 podiam ser reinvestidos em ativos elegíveis nos termos do ex-artigo 66.º-F nesse período de tributação ou no prazo de dois anos contado do final desse período.

Com a aprovação e publicação do Código Fiscal do Investimento este artigo desapareceu do texto da lei, o que levanta a dúvida quanto à sua aplicação.

Como acima referimos, a publicação do Código Fiscal do Investimento resulta de uma autorização legislativa constante da Lei n.º 44/2014, de 11 de julho.

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º da referida lei, a autorização concedida ao governo tem o sentido e extensão de alterar o benefício ao reinvestimento de lucros e reservas previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, transferindo-o para o novo Código Fiscal do Investimento.

Esta norma tem um carácter mais genérico, sendo o alcance da mesma melhor especificado o n.º 4 do mesmo artigo.

A alínea e) deste último artigo define com rigor o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao governo, precisando esta que a autorização concedia ao governo visa estabelecer que o benefício ao reinvestimento de lucros e reservas, previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, passe a estar integralmente estabelecido e regulado no novo Código Fiscal do Investimento.

A palavra “integralmente” traduz bem, em nossa opinião, a pretensão do legislador, ou seja, nunca esteve na intenção do legislador retirar da lei a possibilidade de os investimentos realizados em 2014 não serem elegíveis para efeitos da DLRR.

O facto de o legislador não ter transposto a DLRR na totalidade pode ser entendido no sentido de que tal não seria necessário, uma vez que o n.º 1 do artigo 29.º do Código Fiscal do investimento define um prazo máximo para concretização do investimento mas em momento algum impede a realização do investimento no próprio ano a que respeitam os lucros retidos.

O sentido e extensão da autorização legislativa é claro e mesmo que se pretendesse eliminar o ex-artigo 66.º-L tal não seria possível pelas razões expostas.

Assim, é nossa opinião que os investimentos efetuados em 2014 são relevantes para efeitos de aplicação da DLRR.

Quais são os investimentos relevantes?
Para efeitos da DLRR, consideram-se aplicações relevantes os ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
   a) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projetos de indústria extrativa;
  b) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas;
   c) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo;
   d) Artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
  e) Ativos afetos a atividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do setor público.

As adições a investimentos em curso que não consistam em adiantamentossão igualmente relevantes.

As aplicações relevantes em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos devem ser detidas e contabilizadas de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade, por um período mínimo de cinco anos.

A DLRR não é cumulável, relativamente às mesmas aplicações relevantes elegíveis, com quaisquer outros benefícios fiscais ao investimento da mesma natureza. Contudo, é possível acumular a DLRR com o regime de benefícios contratuais e com o RFAI, desde que não sejam ultrapassadas as taxas máximas de auxílio a que se refere o artigo 43.º do Código Fiscal do Investimento.

Que elementos devem constar no dossier fiscal?
Para terminar deixamos aqui alguns cuidados a ter na documentação comprovativa a juntar ao dossier fiscal pelos sujeitos passivos que utilizem a DLRR.

A dedução da DLRR é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente o montante dos lucros retidos e reinvestidos, as aplicações relevantes objeto de reinvestimento, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes.

Por outro lado, a contabilidade dos sujeitos passivos de IRC beneficiários da DLRR deve evidenciar o imposto que deixe de ser pago em resultado da dedução efetuada à coleta do IRC, mediante menção do valor correspondente no anexo às demonstrações financeiras relativa ao exercício em que se efetua a dedução.

Texto elaborado a 12 de Maio, por Abílio Sousa, para Apeca